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Os filósofos e a questão de Deus: a questão de Deus em Hans Jonas.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciência da Religião

Disciplina: Filosofia da Religião
Professor: Prof. Dr. Marcelo Perine
Aluno: Antonio de Oliveira Siqueira
Tema: Os filósofos e a questão de Deus: a questão de Deus em Hans Jonas.
Data: 12/06/2017

 Introdução

De acordo com o texto disponível na Revista do Instituto HumanitasUNISINOS (Biografia, 2011, p. 5-6), temos o que segue:

Filósofo alemão, Hans Jonas nasceu na cidade de Mönchengladbach, em 10 de maio de 1903 e faleceu no dia 5 de fevereiro de 1993, aos 89 anos. 

É conhecido principalmente por conta de sua obra O princípio responsabilidade, que foi publicada em alemão em 1979 e em inglês em 1984.

Estudou filosofia e teologia em Friburgo, Berlim e Heidelberg, e finalmente se doutorou em Marburg, onde fez estudos sobre Martin Heidegger e Rudolf Bultmann.

Seu trabalho concentra-se nos problemas éticos sociais criados pela tecnologia e quer sustentar que a sobrevivência humana depende de nossos esforços para cuidar de nosso planeta e de seu futuro e formulou um novo princípio moral supremo: “Atuar de forma que os efeitos de suas ações sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana genuína”.

Enquanto O princípio responsabilidade assumiu o papel de ser catalisador do movimento ambiental na Alemanha, sua outra obra, O fenômeno da vida (1966) forma a espinha dorsal de uma escola de bioética nos Estados Unidos. 

O fenômeno da vida, influenciada por Heidegger, esta obra sintetiza a filosofia da matéria com a filosofia da mente, produzindo um interessante entendimento da biologia em busca de uma natureza humana material e moral.

A biologia filosófica de Hans Jonas proporciona uma concepção una do homem, reconciliada com a ciência biológica contemporânea.

Escreveu bastante sobre gnosticismo, pelo que é igualmente conhecido, interpretando a religião como um ponto de vista existencial filosófico.

Jonas foi o primeiro autor a escrever uma história detalhada do antigo gnosticismo e, além disso, foi um dos primeiros autores a relacioná-lo com questões éticas nas ciências naturais.

Conheceu Hannah Arendt em Marburg, que também estava fazendo doutorado, iniciando uma amizade que durou o resto de suas vidas.

Em 1933, Heidegger uniu-se ao partido nazista, fato que surpreendeu Jonas, já que era de origem judia e sionista, uma atitude que fez Jonas questionar o valor da filosofia.

Deixou a Alemanha e foi para a Inglaterra nesse mesmo ano e de lá viajou para a Palestina em 1934.

Em 1940 retornou à Europa para participar do exército britânico, que havia formado uma brigada especial para judeus alemães que quisessem lutar contra Hitler. Foi enviado à Itália e depois para a Alemanha, cumprindo sua promessa de somente retornar à sua terra se fosse como um soldado de um exército vitorioso. Durante a guerra escreveu numerosas cartas, tanto filosóficas como amorosas, para Lore, com quem se casaria em 1943.

Logo que a guerra terminou, voltou para a sua cidade natal para buscar a sua mãe, momento em que soube de sua morte em Auschwitz, quando rechaçou a ideia de viver outra vez na Alemanha. 

Retornou para a Palestina, e tomou parte na guerra árabe-israelense de 1948; apesar disso, sentiu que seu destino não era ser um sionista, mas ensinar filosofia.

Jonas deu aulas por pouco tempo na Universidade Hebraica de Jerusalém e em 1950 foi para a Universidade de Carleton, Canadá; de lá se mudou para Nova York (1955), onde trabalhou na Nova Escola de Investigações Sociais entre 1955 e 1976.

2  A improvidência divina

O livro intitulado O conceito de Deus após Auschwitz: uma voz judia(JONAS, 2016), foi editado no Brasil pela Paulus e com uma introdução de Eric Pommier, sob o título A improvidência divina (POMMIER, 2016), cujo valor é duplo, pois além fazer uma apresentação, também conduz o leitor às provocações e resposta de Jonas.

Acerca dessa introdução, ressalta Provinciatto (2017, p. 321-322) que a mesma “marca um caminho” por meio de quatro aspectos:

• O lócus da conferência, pois trata-se do desenvolvimento histórico-intelectual de Hans Jonas;

• A importância de Heidegger e Bultmann para o incremento de seu pensamento;

• A fenomenologia da vida desenvolvida pelo autor, sendo a biologia o alicerce; e 

• O uso da imaginação metafísica, justificando e significando a existência humana a partir do transcendente.

Adicionalmente à essa preparação para a leitura do texto, Pommierantecipa uma questão basilar do autor: 

Para a tradição judia, efetivamente, Deus é o Senhor da História. Como compreender, então, o sentido de tais mortes, que sequer têm a desculpa de poder colocar à prova a fé do fiel diante de Deus, já que são crianças que [também] foram sacrificadas? Como a humanidade pôde sobreviver ao mal radical? Que credibilidade pode conservar um Deus que permitiu que tal mal fosse cometido?(POMMIER, 2016, p. 14)

​E, além dessa antecipação, apresenta uma resposta que justifica o título de seu texto, ou melhor:

Assim, é porque Deus é impotente que o mal radical foi possível, que ele sofre, que ele precisa de nós, e por isso devemos agir melhor. Apenas nós podemos mantê-lo seguro e fazê-lo crer em nós, por nós. A improvidência divina, como diria Charles Péguy, nega o registro de uma providência que nos salvaria, sempre já por antecipação, explicando tudo o que foi, e justificando o mal cometido. Ao contrário, eis-nos convocados a antecipar o mal para evitá-lo, a nos armar para que ele não advenha. Porque nós não podemos, não podemos mais contar com Deus para isso. Pois é ele, de fato, que espera, sofrendo e tremendo, que nós o salvemos. (POMMIER, 2016, p. 14-15, grifo nosso)

3  O conceito de Deus após Auschwitz: uma voz judia

Trata-se de texto produzido a partir de conferência pronunciada pelo autor em 1984 por ocasião do recebimento do prêmio Leopold Lucas, na Universidade de Tübingen, texto publicado anteriormente, em 1968, e foi uma retomada parcial de palestra ministrada em 1961, sob o título Immortality and the modern temper (PROVINCIATTO, 2017, p. 320; RICHARD, 2009, p. 389).

Inicialmente, segundo Richard (2009, p. 389), Hans Jonas reconhece a impossibilidade de constituição de Deus como objeto de “conhecimento demonstrativo”, o que não impede de uma reflexão, de um pensamento sobre seu sentido e significado. Ao mesmo tempo, Jonas (2016, p. 17) alerta que “o que tem a oferecer é um fragmento de teologia francamente especulativa”.

De fato, tão especulativa que a pergunta central é: “Que Deus é esse que permitiu fazer isso?” (JONAS, 2016, p. 17), se referindo ao holocausto, principalmente o ocorrido no campo de concentração de Auschwitz e, paralelamente, em um contexto mais geral, ao conceito de “imanência absoluta”.

Assim, o autor trata de questionar o papel de Deus mediante aos 6 milhões de pessoas mortas, em especial:

“cerca de 1,5 milhões de crianças, sendo um milhão delas judias, e dezenas de milhares ciganos Romas, além de crianças alemãs com deficiências físicas ou mentais que viviam em instituições, crianças polonesas, e crianças que moravam na parte ocupada da União Soviética.” (AS CRIANÇAS DURANTE O HOLOCAUTO, 2018)

Se Deus é o “Senhor da História”, segundo o que consta nos livros dos Reis e em Isaias, como um judeu pode entender tal atrocidade, ou ainda, segundo Pommier (2016, p. 14), “que credibilidade pode conservar um Deus que permitiu que tal mal fosse cometido?”.

Hans Jonas se recusa a aceitar a ideia de que há uma razão além da nossa possibilidade de compreensão, como que tivesse simplesmente permitido que os horrores e maldades daquele tempo, quase que por algum motivo a ser encadeado mais adiante; ao contrário, entende que Deus não pode interferir no modo como as coisas acontecem. (RICHARD, 2009, p. 390-391)

É como se Deus estivesse totalmente inserido, mergulhado no fluxo de sua própria criação, permitindo se conduzir per essa mesma criação ao longo de seu curso, permanecendo sempre presente e, ao mesmo tempo, mergulhado nela, sem ser eliminado. (RICHARD, 2009, p. 392)

Para tratar dessas questões e explicar essa nova visão de Deus, o autor faz uso de um mito, e aqui sob a forte influência da demitologização de Bultmann, pois não produz figuras heroicas ou lendárias, mas “capaz de recorrer ao nível da compreensão lógica para ser entendido, mas sem esgotar a própria dimensão compreensiva em termos racionais”. (PROVINCCIATO, 2017, p. 323)

Diante disso, Deus, esse ser imerso na sua própria criação, será visto por Jonas como portador de algumas características, mas visto de duas maneiras, ou melhor:

• Segundo Richard (2009, p. 392-396): um Deus sofredor, em devir,amante (ou preocupado) e um Deus não todo-poderoso;

• De acordo com Provinciatto (2017, p. 323-324): um Deus que sofre, que é devir, que cuida e que está em perigo.

Quanto à característica de ser um Deus sofredor, concordam os dois autores, pois apresentam a condição do sentimento do Criador mediante o menosprezo de suas criaturas, de acordo, por exemplo, com o lamento apresentado no livro de Oséias.

No que se refere ao Deus em devir, ambos percebem que Jonas trata Deus como um ser em mudança ao longo do tempo, porém o primeiro autor aborda essa característica por dois lados, um positivo (em adaptação) e outro negativo (afetado). O segundo autor, por sua vez, apenas apresenta o conceito da mudança divina de acordo com o que acontece no mundo, sem fazer qualquer juízo.

A terceira característica para Jean Richard, ou seja, um Deus amante ou preocupado, pode ser visto como aquele que é portador de todas as preocupações de suas criaturas, não sendo aquele Deus afastado e ensimesmado.

Para Luís Gabriel Provinciatto, essa “terceira característica decorre das outras duas: um Deus que sofre e que se movimenta é um Deus envolvido com seu povo”, portanto, um Deus que cuida das criaturas, mas que “não é solucionador de problemas”.

​Sobre a última característica, apesar de nomes diferentes, ambos vão tratar da ideia de que, para Jonas, Deus não é onipotente ou não é todo-poderoso. Aliás os dois autores absorvem bem a condição de que se trata do ponto central da discussão do autor.

​Nessa discussão, três argumentos são utilizados: o poder, a bondade e compreensibilidade de Deus.

​Assim, se a ideia de poder é relacional, e, ao mesmo tempo Deus é poder absoluto, então, ou não há poder ou não há a criatura. Como há a criatura, então não há o poder absoluto.

Ainda, seguindo seu raciocínio, se Deus é bom, então, o que faz com que permita o mal que ocorre no mundo ao longo de sua história? De forma que, ou ele não é bom ou não é compreensível.

Dessa forma, os três argumentos não são verdadeiros ao mesmo tempo, sendo “preciso sacrificar um e, para Jonas, é evidente que é o todo-poderio que deve ser eliminado, pois já é um conceito intrinsecamente contraditório.” (RICHARD, 2009, p. 395) 

​Apesar disso, a relação com Deus depois dessa revelação parece possível para Jonas, mas agora de uma maneira um pouco diferente, pois não é Deus que dá alguma coisa para a criatura, mas, ao contrário é o ser humano que dá algo para seu Criador, ou como explicado pelo próprio autor na sua nota de rodapé:

“eu devo ajuda-lo, Deus, a impedir que minhas forças se esvaiam, embora não possa garantir com antecedência. Mas uma coisa está se tornando cada vez mais clara para mim: que você não pode nos ajudar, que devemos ajuda-lo a nos ajudar a nós mesmos…” (JONAS, 2016, p. 36)

Por fim, e em resposta à pergunta, que também está presente no livro de Jó – qual a razão para o sofrimento do ser humano? – Hans Jonas afirma que é por conta da renúncia que Deus faz do poder absoluto, ao contrário do que o livro sagrado assegura, que é a onipotência de Deus que produz esse efeito.

Referência bibliográfica

AS CRIANÇAS DURANTE O HOLOCAUTO. United States Holocaut Memorial Museum, Washington. Disponível em: <https://ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?Moduleld=10005142> Acesso em: 01 abr. 2018.

BIOGRAFIA. Revista IHU On-Line. São Leopoldo, n. 371, p. 5-6, 2011.

JONAS, Hans. O conceito de Deus após Auschwitz: uma voz judia. Tradução de Lilian Simone Godoy Fonseca. São Paulo: Paulus, 2016. 36 p.

POMMIER, Eric Stephane. A improvidência divina. In: JONAS, Hans. O conceito de Deus após Auschwitz: uma voz judia. Tradução de Lilian Simone Godoy Fonseca. São Paulo: Paulus, 2016. p. 7-15.

PROVINCIATTO, Luís Gabriel. O conceito de Deus após Auschwitz: uma voz judia. Resenha. Horizonte. Belo Horizonte, v. 15, n. 45, p. 320-325, jan./mar. 2017.

RICHARD, Jean. A questão de Deus em Hans Jonas. In: LANGLOIS, Luc; ZARKA, Yves Charles. Os filósofos e a questão de Deus. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola. 2009. p. 389-403.

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