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Paul Harro-Harring: visualidade melancólica da escravidão do Rio de Janeiro – 1840

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciência da Religião

Disciplina: Grandes Temas da Ciência da Religião
Professor: Prof. Dr. Ênio José da Costa Brito
Aluno: Antonio de Oliveira Siqueira
Tema: Seminário – Paul Harro-Harring: visualidade melancólica da escravidão do Rio de Janeiro – 1840
Data: 31/10/2016

01 – Motivação do autor

Por meio do estudo com base na visualidade, o autor entende que seja possível demonstrar a atmosfera melancólica vivida naquele tempo histórico, considerando as condições impostas aos africanos escravizados e a desumanização daqueles que escravizavam.

Um ambiente repleto de injustiças, brutalidades, despotismos e violências, que era sentido pelo escravo, mas era vivido pelo escravizador.

Ou ainda, como relatou:

Nossa intenção foi a de estabelecer o que veio ao encontro de seus olhos, o que constituiu o fundo entrelaçado de sua figura. Responder às curvas sinuosas com as quais ele representou o corpo-comunidade do negro em dança ou em desfile nas ruas da cidade do Rio de Janeiro. Nesse ponto, acreditamos que suas imagens contam uma história visual não apenas da percepção do artista, mas também a história de tensões e re-existências de culturas de matriz africana na experiência diaspórica. (MACEDO, 2014, p. 107)

Assim, Macedo estabelece um estudo para seu objeto, que é a obra de Paul Herro-Herring, cuja lente são os estudos visuais e a teoria pós-colonial, produzindo um resultado repleto de sensibilidade, dentro da objetividade que o tema requer.

02 – Referenciais teóricos

No que tange ao conceito de visualidade e estudos visuais, o autor se utilizou,principalmente: Martin Jay, W. J. T. Mitchell, E. Panofsky, U. T. B. de Meneses, M. A. Antonacci e K. E. Schollhammer.

03 – Problematização (3 a 4 questões)

– Qual foi a experiência visual de Paul Harro-Harring acerca do negro, diante das condições sociais e concretas no sudeste do Brasil em 1840?

– De que maneira podemos compreender como a natureza circundante do Rio de Janeiro foi vivida por Paul Herro-Herring e transformada em paisagem?

– Quais os sentimentos captados por Paul Herro-Herring em sua observação das condições do processo de escravidão que o povo africano era submetido no Rio de Janeiro em 1840?

04 – Objeto de estudo

As imagens produzidas pelo viajante teuto-dinamarquês, Paul Harro-Harring, que esteve no Brasil em 1840 e retratou paisagens e cenas do cotidiano escravagista no Rio de Janeiro, para fins de propaganda abolicionista.

05 – Tese do autor

A visão de mundo do artista, Paul Harro-Harring, suas concepções políticas e filosóficas acerca de noções de cultura, nação e homens, bem como as condições concretas de existência dos escravizados, nutriam o seu olhar e constelaram a visualidade presente em suas imagens.

Segundo o próprio autor:

O visível e a visualidade, nesse sentido, são fruto de uma experiência comum. No entanto, a maneira como ele pôde absorver, incorporar o vivido e o visto foi nutrido pelos modelos e pelo imaginário que lhe sustentavam sua visão de mundo. Sua visualidade nasce nessa zona fronteiriça. (MACEDO, 2014, p. 76)

Obs.: Região fronteiriça que podemos relacionar com a o conceito de zona de contato.

06 – Estrutura teórica

– Introdução

Na introdução o autor busca, principalmente, tratar da questão da visualidade e dos estudos visuais, além de, adicionalmente, fazer a apresentação dos capítulos que se sucederão.

– Capítulo I – O artista e a paisagem como oferta do sensível

Neste capítulo foi tratada da biografia do artista, incluindo-se sua formação artística e sua vida política, pois, “Acreditamos que sua biografia possa servir como bússola para compreendermos as intencionalidades presentes na visualidade que são esboçadas nas imagens”. (MACEDO, 2014, p. 21)

Foram apresentadas informações acerca dos motivos de sua estada no Rio de Janeiro, incluindo dados sobre o semanário abolicionista The African Colonizer(1841-1841).

Um pouco mais adiante o autor faz reflexões acerca de pressupostos para as aquarelas do artista, pois: “pretendemos refletir sobre a relação entre o olhar do historiador e a imagem considerando-a como uma janela hermenêutica para outras sensibilidades e culturas”. (MACEDO, 2014, p. 21)

Em seguida serão justificados os procedimentos e as categorias de análise que foram utilizados para descrever e interpretar a visualidade apresentada nas fontes visuais.

– Capítulo II – O drama da escravidão

“Suas aquarelas não apresentam visões “instantâneas” de pessoas, coisas e lugares, mas, sobretudo contam histórias” (MACEDO, 2014, p. 57)

E é por esse contexto que transcorre o Capítulo II, ou seja, o autor vai fazendo a “leitura” das imagens produzidas por Harro-Harring.

“Percebemos que suas imagens giram em torno de cenas “teatrais” que contam e ensinam como se davam as relações entre senhores e cativos”, que segundo nos relatam o autor, essas relações podem ser consideradas, por um lado, desumanizadas, injustas, despóticas, brutais, violentas, e por outro lado, os escavizados podem ser percebidos como fraternos e “em situações de resistência à opressão dos senhores”. (MACEDO, 2014, p. 57-58)

Por meio de suas imagens e relatos, Harro-Harring e demais artistas abolicionistas, criticavam severamente os senhores “por forçarem homens a trabalharem até a morte e por lucrarem com um sistema desumano, imoral e antirreligioso”. (MACEDO, 2014, p. 63)

Neste capítulo aparece ainda uma ideia interessante para fins de análise mais profunda por parte do leitor e para suscitar, inclusive, a eventual continuidade de pesquisas comportamentais, ou melhor: 

No relato de Mary Prince, aparecem referências à destruição da família e à desumanização tanto do escravizado, que era tratado como um animal, quanto do senhor branco que se bestializava e esquecia seus valores cristão quando se tornava um senhor de escravo nas colônias. (MACEDO, 2014, p. 64)

Vale observar a indicação de um poema de Heinrich Heine (1797-1856), que ironiza a fé do traficante:

Meu Deus, conserva os meus negros,

Poupa-lhes a vida, sem mais!

Pecaram, Senhor, mas considera

Que afinal não passam de animais.

Poupa-lhes a vida, pensa no teu Filho,

Que ele por todos nós sacrificou-se!

Pois, se não me sobrarem trezentas peças,

Meu rico negocinho acabou-se!

– Capitulo III – A trágica história da nação Malungo

Malungo, “Essa palavra, cujo sentido desliza de canoa gigantesca para companheiro, poderia ser utilizada para identificar o companheiro em sofrimento na canoa grande”. (MACEDO, 2014, p. 77)

Uma palavra que possui, inclusive, “significados cosmológicos mais profundos que escapavam à compreensão de pessoas “de fora” da cultura bantu”, qual seja: companheiro na travessia da linha divisória que separava o mundo dos vivos e dos mortos, a kalunga” (MACEDO, 2014, p. 78) 

Em detrimento da ideia de dependência do negro em relação ao branco, mesmo no momento de sua libertação, Harro-Harring não conduz a sua obra nesses parâmetros, indicando a condição da conquista e ressignificação feitas pelo próprio negro, seja por vontade ou necessidade.

Também nos possibilita conjecturar, acompanhando pesquisas recentes, a existência de comunidades culturais que, apesar de toda opressão, conseguiam se reinventar e guardar suas memórias e tradições renovadas, revelando as complexas relações entre cativos, libertos e senhores, bem como as diferentes maneiras como culturas em diásporas se configuraram e organizaram suas experiências diante do estalar do chicote. (MACEDO, 2014, p. 94)

Há neste capítulo um relato importante que é a preocupação e o medo que os brancos começaram a ter da “nação” africana, fato este que fez com que houvesse mudanças na postura do governo e de fazendeiros.

– Encontros dialógicos

Em claro ritmo de conclusão, o autor apresenta novamente Harro-Harring, cuja denominação é “observador sensível à vida social e as relações étnico-culturais na cidade do Rio de Janeiro”, cujas imagens “desnudaram as condições impostas aos escravizados e a desumanidades ligada ao tráfico negreiro” (MACEDO, 2014, p. 104)

Imagens que nascem “da zona fronteiriça entre o sujeito [olhar do artista] e o objeto [o visível]”, “de forma que, quando o artista olhou os corpos negros e os viu como uma nação, os escravizados, por sua vez, também olharam para o artista. Suas imagens são fruto do entrelaçamento do visível com aquele que olha e vice-versa”. (MACEDO, 2014, p. 105)

O autor, ao longo de sua explanação final, concede especial ênfase ao conceito de “comunidade” e ressignificação de uma história apreendido pelo artista em sua estada no Rio de Janeiro, por meio de sua obra, ou melhor:

“A pertinência de suas imagens, enquanto testemunho da existência dessas articulações, revelam o africano como sujeito ativo na utensilagem de sua própria re-existência, isto é, reexistindo em suas memórias em danças e músicas, como solidariedades comunitárias, descentrando lógicas racionais estabelecidas pelos poderes senhoriais e ancorando seus viveres nas profundidades ontológicas de suas cosmologias”. (MACEDO, 2014, p. 107)

– Fontes e bibliografia

Foram indicadas 128 fontes utilizadas.

– Anexos: 

São 33 ilustrações, sendo:

• Paul Harro- Harring = 16

• Johan Christian Clausen Dahl = 01

• Caspar David Friedrich = 02

• Georges Morland = 01

• Théodore Géricault = 02

• Fra Angelico = 01

• Josiah Wedwood = 01

• Charles Boily = 01

• Anônimo = 02

• Louis Masquelier = 01

• Samuel Jennings = 01

• Pierre Viaud = 01

• Marie-Guilhermine Benoist = 01

• Eugène Delacroix = 01

• Jan Nieuhof = 01

07 – Contribuição do mestrado

Uma grande contribuição, a meu ver, foi a coragem com que o autor empreende por um caminho tão difícil, por meio dos estudos visuais, haja vista a peculiaridade de sua dissertação, uma condição dificultada pela própria falta de certezas intrínsecas ao objeto de pesquisa e fostes disponíveis.

Ainda assim, mediante um método adequado, foi possível se chegar a um resultado interessantíssimo, além das várias contribuições paralelas no que se refere à teoria pós-colonial e a visualidade.

Adicionalmente, há um balanço interessante com que o autor vai contando a história de Paul Harro-Harring e suas características, pois não concentra em um ou outro capítulo, mas sim, ao longo de toda sua dissertação.

Vale ainda um pensamento sobre a questão da parcialidade do pesquisador, haja vista a forma com que o autor apresenta a questão da visualidade, ou seja, além daquilo que se vê, há ainda como vemos aquilo que se apresenta, incluindo-se o que carregamos em nós.

08 – Avaliação pessoal

– Um trabalho corajoso e que serve como referência para futuros pesquisadores que necessitarem de referências que tratem de visualidade e estudos visuais

– O Capítulo III (A trágica história da nação Malungoé de uma beleza impressionante pela forma com que o autor trata da diáspora africana, principalmente pelo conceito de comunidade fortemente presente na cultura desse povo

– Dissertação de leitura fluente e ordenada

– Ausência de ilustrações, apesar de citadas e que seria interessante a apresentação

– Erros de citações nas ilustrações

– Linguagem coloquial destoante com o texto em alguns poucos trechos

– Ausências sentidas de Hans Staden e Debret

– Não indicação do conceito da Gestalt (figura-fundo)

– Charles Boily ou Boyle?

– Poema de José de Anchieta utilizado de maneira inadequada.

– Não fica claro o que seria o ladino ou a diferença entre africano e ladino escravizado

– Algumas comparações me pareceram forçadas, tanto entre obras do próprio Harro-Harring, como entre outros artistas.

Referências bibliográficas

MACEDO, Rafael Gonzaga de. Paul Harro-Harring: visualidade melancólica da escravidão no Rio de Janeiro – 1840. Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

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